17 junho, 2009

Clarice Lispector.


           De fato, nos últimos tempos, Tuda não passava nada bem. Ora sentia uma inquietação sem nome, ora uma calma exagerada e repentina. Tinha freqüentemente vontade de chorar, e o que em geral se reduzia à vontade apenas, como se a crise se completasse no desejo. Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e pensava: mais um momento e não suportarei tanta felicidade. E realmente não a suportava, embora não soubesse propriamente em que consistia a felicidade. Caía num choro abafado, aliviando-se, com a impressão confusa de que se entregava, a não sei quem e não sei de que forma.Às lágrimas sucedia-se, acompanhando os olhos inchados, um estado de suave convalescença, de aquiescência a tudo. Surpreendia s todos com sua doçura e transparência e, ainda mais, forçava uma leveza de passarinho. Dava esmolas a todos os pobres, com a graça de quem joga flores.De outras vezes, enchia-se de força. Seu olhar tornava-se duro como aço, áspero como espinhos. Sentia que “podia”. Fora feita para “libertar”.
(...)
- Olhe, Tuda, o que me agradaria dizer-lhe é que você um dia terá o que agora procura tão confusamente. É uma espécie de calma que vem do conhecimento de si própria e dos outros. Mas não se pode apressar a vinda desse estado. Há coisas que só se aprende quando ninguém as ensina. E com a vida é assim. Mesmo há mais beleza em descobri-la sozinha, apesar do sofrimento. – A doutora sentiu um súbito cansaço, tinha a impressão de que a ruga nº 3, do nariz os lábios, afundara. Aquela menina fazia-lhe tão mal e ela queria estar de novo só. – Olhe, tenho certeza de que você ainda terá muita felicidade. Os sensíveis são simultaneamente mais infelizes e felizes que os outros. Mas dê um tempo ao tempo! – Como era vulgar com facilidade, refletiu sem amargura. – Vá vivendo… - Sorriu. E de repente Tuda sentiu aquele rosto entrando bem na sua alma. Não era da boca, nem dos olhos que vinha aquele ar… ar divino. Era como uma sombra terrivelmente simpática, vacilando sobre a doutora. E, no mesmo instante, Tuda soube que não mentira, ah, não! Uma alegria, uma vontade de chorar. Ah, ajoelhar-se diante da doutora, esconder o rosto no seu regaço, gritar: é isso que eu tenho, é isso! Só lágrimas!A doutora já não sorria. Pensava. Olhando-a, assim, de perfil, Tuda já não a entendia mais. De novo, uma estranha. Buscou-a depressa, à outra, a divina:- Por que a senhora disse: “o que me agradaria dizer-lhe…”? Então não é a verdade?A menina era mais perspicaz do que pensara. Não, não era a verdade. A dourota sabia que se pode passar a vida inteira buscando qualquer coisa atrás da neblina, sabia também da perplexidade que traz o conhecimento de si própria e dos outros. Sabia que a beleza de descobrir a vida é pequena para quem procura principalmente a beleza nas coisas.
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